quinta-feira, 21 de abril de 2011

Chico Cesar X Forró de Plástico

 


Acabo de ler a notícia da polêmica gerada pelo cantor e compositor Chico César com sua declaração sobre financiamento público de bandas que ele classificou como de “forró de plástico” na festa junina de Campina Grande, considerada o “Maior São João do Mundo”. Para quem não sabe (eu não sabia) Chico César é secretário de cultura do Estado da Paraíba e disse que o governo de lá não vai incentivar (ou seja: dar dinheiro) para os shows de bandas do tal forró de plástico. A saber, as bandas de forró moderno, que usam guitarras, teclados eletrônicos, dançarinos seminus e costumam fazer muito sucesso midiático-popular. Exemplos: Aviões do Forró, Magníficos, Calcinha Preta. Pois bem, muita gente se levantou para criticar Chico César e defender a diversidade, a liberdade de expressão, a livre escolha, etc. Eu também as defenderei, até a morte. Entretanto, vamos pôr os pontos nos ii, o que o secretário estadual de cultura da Paraíba disse e decidiu como política a ser adotada nada tem que ver com ditadura ou repressão (e nem sequer com gosto). Muito pelo contrário. Ora, o dinheiro público reservado para incentivo cultural é uma, digamos, verba de exceção, cuja finalidade é apoiar manifestações artístico-culturais reconhecidamente importantes para o imaginário da nação, mas que, por algum motivo, estão alijadas dos meios de comunicação e, por conseguinte, do gosto popular. Traduzindo: Calcinha Preta não precisa desse dinheiro porque eles gozam de plenas condições de se manterem apenas com a grana privada. Já Márcia Short precisa. É preciso desenhar?

Qualquer semelhança com o caso do blog de Maria Bethânia não é mera coincidência. Por causa da decisão do secretário Chico César, muitos parlamentares do glorioso estado se manifestaram em defesa dos forrós de plástico. O deputado Tião Gomes (PSL), que inclusive faz parte da base governista, disse não se pode impedir que aconteçam certos tipos de shows nos festejos juninos e nem obrigar a população a ouvir determinados estilos. Já para o deputado Raniery Paulino (PMDB) a declaração do Secretário foi infeliz. “O Governo não pode determinar os artistas que o povo deve ou não ouvir. Foi um desrespeito aos artistas que fazem os citados tipos de música. O poder público não pode classificar o que é bom para o povo, ou escolher o que ele tem que ouvir”, disse. Na verdade, as opiniões dos deputados só servem para comprovar que eles não entendem a lei de incentivo cultural. De fato, não se pode determinar o que o povo deve ouvir. Mas é isso que as rádios e TVs fazem o tempo todo, com a nefasta política do mais fácil e do nefasto jabá, e é só por isso que existem a Lei Rouanet e afins. Chico César não quer banir ninguém do São João paraibano, mas, parafraseando os Titãs podemos dizer que “dinheiro público é para quem precisa”. Fim. Uma analogia clara: o mercado é livre, mas se o feijão sobe muito de preço, o governo tem que tomar alguma medida de equilíbrio e isso pode se dar com medidas de incentivo ao cultivo de outros produtos. Chico César se defendeu: “(...) nunca nos passou pela cabeça proibir ou sugerir a proibição de quaisquer tendências. Quem quiser tê-los que os pague, apenas isso. O Estado encontra-se falto de recursos e já terá inegáveis dificuldades para pactuar inclusive com aqueles municípios que buscarem o resgate desta tradição [junina]".

Vejam bem, não sou comunista. Encaro com toda a desconfiança do mundo a intervenção do Estado na vida cultural de um povo. Não gosto deste papo de resgate da tradição. Não acredito em tradição estanque, conservada em formol, resguardada em mil preconceitos e medos. A tecnologia faz parte da cultura humana. Se eu fosse contra tocar forró com guitarra e teclado em defesa das sanfonas, teria que ser contra as sanfonas quando estas substituíram as rabecas. E assim regressivamente. É preciso lembrar que o próprio Luiz Gonzaga foi acusado de falsificar a verdadeira música nordestina para agradar as massas urbanas do sul. Não faço parte desse coro abobalhado. Não sou um alternativo de Salvador guardião de reservas florestais do samba ou do baião ou do rock’n’roll. E nem um ressentido desses que querem sempre afundar o time que está ganhando. Mas o buraco dessa questão é mais embaixo e, definitivamente, do jeito que está não dá pra ficar. Com ou sem dinheiro público. A defesa de Chico César se deu através de nota à imprensa que dizia também: “São muitas as distorções, admitamos. Não faz muito tempo vaiaram Sivuca em festa junina paga com dinheiro público aqui na Paraíba porque ele, já velhinho, tocava sanfona em vez de teclado e não tinha moças seminuas dançando em seu palco. Vaias também recebeu Geraldo Azevedo porque ele cantava Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro em festa junina financiada pelo governo aqui na Paraíba, enquanto o público, esperando a dupla sertaneja, gritava ‘Zezé cadê você? Eu vim aqui só pra te ver’”.

Ou seja, pelo que diz o próprio Chico César, não adianta nada aplicar bem o dinheiro público nessas, repito, ‘medidas de exceção’. Isso porque o gosto se faz no cotidiano e este está sitiado pela mesmice promovida pelos meios de comunicação. Não adianta nada enfiar Sivuca na goela da galera em junho, mesmo com licor de jenipapo, se o ano inteiro tudo o que existe é tão distante das barbas brancas e das melodias líricas pungentes do velhinho. O mal está na mídia: na Folha de São Paulo, na Rede Globo, na Rádio Metrópole, no Bahia Notícias, que forjam um repertório artístico-cultural reduzidíssimo para a população. A usura dessa gente já virou um aleijão que não será sanado com meros protecionismos de Estado. É preciso criminalizar o jabá e apelar pelo bom senso, pela coragem e pela responsabilidade de quem faz a imprensa. Se for falar em resgate, eu prefiro lembrar que o mesmo Sivuca já fez trilha sonora de filmes d’Os Trapalhões, por exemplo, num tempo em que os grandes artistas eram naturalmente populares simplesmente porque não eram ignorados pela mídia, ou trocados por saquinhos de dinheiro como fez Judas com Jesus. É preciso resgatar essa saúde dos meios de comunicação e botar Lucas Santtana no Domingão do Faustão, Glauco Mattoso no Jornal Nacional, Vera Egito n’A Fazenda, etc. Concordo ainda mais com o finalzinho da declaração de Chico César: “Intolerância é excluir da programação do rádio paraibano (concessão pública) durante o ano inteiro, artistas como Parrá, Baixinho do Pandeiro, Cátia de França, Zabé da Loca, Escurinho, Beto Brito, Dejinha de Monteiro, Livardo Alves, Pinto do Acordeon, Mestre Fuba, Vital Farias, Biliu de Campina, Fuba de Taperoá, Sandra Belê e excluí-los de novo na hora em que se deve celebrar a música regional e a cultura popular”.

Como disse certa vez o poeta Haroldo de Campos, a política adotada pela Secretaria de Cultura da Paraíba nesse caso do São João “está ligada a um vetor que não tem nada a ver com juízo de valor e tudo a ver com as exigências do tempo”. Vou dar ainda mais um exemplo, formular outra ilustração: se houver uma verba pública para o mercado editorial, você acha que esta deve ser aplicada para publicar um livro do mesmo Haroldo de Campos ou de Paulo Coelho (ou Jorge Amado)? E eu não citei estes nomes pensando em suas literaturas, mas em suas vendagens. É para isto que existe a verba, para dar competitividade a eventos de maior ousadia e menor apelo midiático (ou mediúnico). As citadas vaias a Sivuca me fizeram lembrar, quase em lágrimas, de um papo que tive recentemente com o músico Armandinho (não o do reggae como pode pensar alguma repórter da TV Aratu). A certa altura falei de Paulo Moura, do mito que ele é para mim; de um show deles (+ Yamandu Costa + Marcos Suzano) em homenagem a Tom Jobim (patrocinado pela Natura!), que vi na Concha Acústica; do meu encontro com o clarinetista, por acaso, no Sto. Antonio Além do Carmo. Armandinho comentou alguma coisa da musicalidade de Paulo Moura e emendou com uma queixa furiosa contra o público de Salvador. “É o mais mal educado que existe”, disse-me. E disse ainda, o grande guitarrista, que em um show na Praça da Sé, as pessoas ficavam batendo no chão do palco, pedindo música de carnaval, mandando tirar “esse velho daí” e outros absurdos que tais. Solidarizam-nos na revolta desolada, na tristeza, o grande músico e eu. Voltei para casa chocado. Mas, agora refletindo, isso tem tudo a ver com a menina, repórter da área cultural, em plena Salvador, que simplesmente não conhecia Armando Macedo, rei do carnaval. E isso tudo tem que ver com essa pendenga entre Chico César e o forró de plástico. Estou com Chico César. Mas repito, enquanto os veículos de comunicação continuarem promovendo esta hipnose em massa, não vai adiantar nada botar ‘Siba e a Fuloresta’ para tocar no palco do “Maior São João do Mundo”. Quando acabar a aula de meio ambiente, o menino mostra o 10 da prova pra mamãe e papai e depois joga o papel no chão entupindo o bueiro.

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