PÓ DE SER - “De Repente”.
Batizado com um nome que dá permissão pra experimentar de tudo (e mais
um pouco), a banda goiana Pó de Ser faz jus a seu nome com uma música
que diz sim às possibilidades novas, às mesclas inéditas. Vale tudo:
juntar Itamar Assumpção com Odair José, Tropicália com Sérgio Sampaio,
Mutantes com Arrigo Barnabé e enfiar a “viola no rock’n’roll” (como diz
outra canção deles, “Bicho Urbano”, um dos melhores retratos de Goiânia
compostos nos últimos anos). Como eles mesmos brincaram no papo que
tivemos após o show no Vaca Amarela 2012, o Pó de Ser realizou a proeza
(dentre outras!) de inventar a “estética dodecafona”.
Em outros termos: eis aí um experimentalismo tupiniquim aventureiro, sem
medo do brega e do excesso, que devora antropofagicamente a música
popular brasileira do passado e a recria numa síntese nova. “De
Repente”, inspirada canção de Diego de Moraes e Klêuber Garcêz, que
integra o recém-lançado EP Tudo Torto em Linha Reta, é a melhor
síntese do universo estético do Pó de Ser: é uma pintura do desnorteio
que acomete tantos de nós neste princípio de século (“no século 21 sou
mais um sem ninguém a me conduzir...”, “entrei num beco-sem-saída, sem
porteira nem tramela...”), com versos que descrevem a sensação de
ovelha-negra (“desgarrei na contra-mão da boiada...”) e de inquietante
insegurança (“lembranças de um tempo remoto em que eu me achava
seguro...”).
Mas o Pó de Ser não aprecia a sensaboria do porto-seguro nem o comodismo
do quietismo: prefere navegar na incerteza, com os olhos estarrecidos,
feito um “astronauta liberto na Terra / pé no chão e cabeça na Lua / um
andróide de carne e desejo / de pão e poesia, na rua...”. O retrato um
tanto sombrio dos “7 bilhões de solitários” que ficam “deixando tudo
para depois” parece-me, na verdade, uma conclamação, cheia de urgência,
para que o ouvinte faça o que sempre recomendaram os sábios: que viva no
presente. Pois pode ser que seja ele, o presente, o único tempo em que o
Ser existe, em suas eternas mutações, em seu eterno agora...
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