sábado, 25 de junho de 2011

Contos Suburbanos, parte1 - Errei Sim!

Ele achava que ia ser contemplado num consórcio do qual não tinha entrado, queria achar um bilhete premiado da mega sena, queria que a sorte lhe fosse generosa, que lhe trouxesse café na cama, queria...
 Não plantou vento mas colheu tempestade, a vida lhe parecia uma madrasta má, sorrateira como as damas da noite, severa como as freiras do colégio interno.
Queria ser artista, mas lhe faltava atributos.

 Começou fazendo ponto na anhanguera, conheceu michês, travestis, putas e cafetões truculentos que lhe tomava a maior parte da grana dos programas e ainda tinha que pagar pra usar o ponto.
Uma noite perdida depois de horas vagando sem clientes, eis que aparece um empresário da nigth suburbana num carro de luxo, poucas palavras e um programa no banco de trás, uma grana generosa, um telefone no cartão e dias depois o homem o tira das ruas e o leva pra trabalhar num inferninho conhecido por X-Kândalo, de faixada humilde e cores berrantes onde foi servir mesas.
A casa estava sempre lotada de bêbados, pessoas de pouca posse e nenhuma erudição. Caminhoneiros, motoboys, traficantes, ambulantes, vigias, flanelinhas, ladrões, viciados, solitários, vadios.
De garçom passou a cuidar dos figurinos das moças da casa, mas ele queria mais, achava de péssimo gosto as strippers e não concordava com aquele açougue sexual sem glamour, sem um toque de arte, de poesia.
Então pediu pro Márcio (dono da boate) pra fazer um número onde ele dublava Elza Soares cantando Lama
Márcio sempre atendia aos caprichos de Ney, acreditava que ali tinha um potencial pra fazer dinheiro.

Hahaha, foi um vexame! A clientela não entendeu aquele negão travestido, fazendo caras e bocas num tubinho amarelo de lantejoulas, poá rosa pink, peruca black, pinta na cara, cílios postiços,batom exagerado. Ficaram gritando, viado! bicha! sai daí, eu vim aqui foi pra ver buceta, quero meus déiz real (sic) de volta!
  Ele engrossou! Desceu do palco e pegou três de porrada, até o segurança levou umas bordoadas... No camarim; lágrimas, nenhum buquê, nem bilhete, um silêncio assustador cortado apenas por uma caixinha de música que ele insistia em dar corda. Uma das meninas tirando o peso da maquiagem borrada e dizendo que achou tudo lindo, que ficou emocionada e queria que ele ensinasse ela a ser assim, mulher...
pois se achava desengonçada e não gostava de tirar a roupa ao som de "lua de cristal" da Xuxa.
Ali nascia uma parceria que faria fama por todo "Trovão Azul" na região do Dergo.

Iolanda era uma menina que saiu de Marabá, no Pará aos 14 anos expulsa de casa pelo padrasto estuprador. Sua mãe acusou-a de seduzir seu homem! Não lhe restou alternativa; entrou numa boléia de caminhão, pagando a carona com uns boquetes até chegar em Goiânia e recomeçar do zero.
 Foi panfleteira de sinal, doméstica, auxiliar de costura, salgadeira, vendedora de produtos jequiti.

Não coseguiu terminar os estudos, sempre dormia na sala do EJA, então acabou se rendendo aos chamados de uma amiga que dizia ganhar 100 reais por noite fazendo programa.
 Iolanda e Claudiney fizeram um espetáculo onde unia música, teatro, dança e striptease. Tudo muito bem feitinho, Ney era caprichoso com cenário, figurino, maquiagem, um artista dos bastidores que queria estar no palco a qualquer custo!
Ele de Maria Bethânia cantando "errei sim" de Ataulfo Alves, (Ney odiava música eletronica, Lady Gaga, Beyoncé, etc... tinha uma atração muito peculiar pelas canções dor de cotovelo das antigas, coisas mais dramáticas, mais teatrais) ela entrava como bailarina da caixinha de música e ia desenvolvendo a coreografia enaquanto perdia as peças de roupa. Suas expressões eram reais, aquilo era sentido, aquela música, uma dor latente, sua história de vida agora representada, já não se importava mais de estar nua, já não se sentia devorada por abutres, agora ela era a melhor de todas, pois ainda era bela, deixava a libido dos homens nas alturas ao mesmo tempo que os encantava, seduzia, criava admiração e respeito de todos, conseguia 5, 6 programas toda vez que descia do palco.
Ney estava enfim realizado, havia se encontrado artisticamente, depois de tantas tentativas. Mesmo que num lugar imundo como aquele. O dono do cabaré o tratava como uma lady, não demorou muito Márcio declara sua paixão avassaladora por Ney.

   Márcio era filho de garimpeiro de esmeraldas em Crixás, quando o garimpo ruiu, seu pai pôs a mulher e as filhas pra tocar um bordel, a principio no caixa, servindo mesas, mas logo elas estavam atendendo os clientes em quartos improvisados.
Márcio cresceu numa família amoral lidando com todo tipo de gente, nada mais natural  herdar do pai o dom pra esse tipo de comércio.
Tinha ele preferência por rapazes negros, mas era austero, nada afetado, meio rude, jamais levantara suspeita, sabia que uma vez descoberto perderia o respeito e seu negocio iria por água abaixo, era um sedutor, sempre rodeado das mais belas mulheres, usava barba, grossos cordões de ouro sobre o peito na camisa aberta estampada, deixando aparecer os tufos, um perfume forte da avon que denunciava sempre sua presença.

5 comentários:

  1. arrasou...muito bom mesmo , não vejo a hora pra ler a 2 parte.. inté

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  2. esperando as cenas do próximo capitulo.

    tem que rolar paixão e traição...rs

    coloca outra "puta" aí...uma que apaixona pelo Ney...rs

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  3. O qué é isso, rapaz. Vc compõe, canta, desenha e ainda escreve muitíssimo bem? Ansiosa pelo próximo capítulo!

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  4. Tudo me parece familiar, como se eu mesma tivesse escrito e descrito. Me vejo nas cenas. Talvez pq cenas são minha história. Suas trilhas sonoras soam como se estivesse em voga um diálogo com os Nelsons q tanto adoro: cumplicidades eternizadas. Uma olhada, lá tá Plínio Marcos...dando vasão a dramaticidade intríseca, que tal aceitar o convite de Woody Allen e vir comigo: merecemos "Uma Noite em Paris".


    Pequeno... tamu precisanu das partes seguintes.

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