Contos Suburbandos parte3 - Passional
As metáforas caem por terra, perdem a função quando a carne trêmula, o sangue pulsa quente, a respiração ofega, o coração dispara, as pernas ficam bambas, as pupilas dilatam, o corpo fala tudo que as palavras silenciam.
Anselmo Amado fazia do Marrom Glacê sua segunda morada, já não entendia como estava dependente de Iolanda, que nao dormia senao a visse todas as noites, estava inevitavelmente perdido de paixão.
A boate era do lado da rodoviária, o que a tornava de alta rotatividade, pessoas vindas de todo lugar dava uma cara nova a cada noite, um belo dia ele chega e Iolanda está na função. Ele tem um ataque de ciúmes e invade o quarto, quando se depara com aquela cena, fica cego! Parte pra cima do sujeito, Iolanda se desespera, Anselmo dispara contra o desconhecido, fica parado em estado de choque, a polícia chega e o prende em flagrante!
Crime passional, como pôde? uma pessoa tão doce como Anselmo?
Ninguem se conhece quando se trata dos afetos. De dentro da cadeia ele manda cartas de amor, todas lindas, apaixonadas. A esperança de ficar com Iolanda o faz suportar a tortura dos minutos se encontrarem nas horas, nos dias, nos meses... Iolanda segurou firme pra não aluar, sabia que alguem tinha que ser forte nesse momento, estava segura de que era aquele o seu homem. Ney segurou a barra também, solidário e solícito a tudo que Iolanda precisava ou sentia. Mas com Márcio as coisas nao iam bem. Já estava chegando a seu limite com a omissão e medo do seu amado.
Mácio na cama era passivo, submisso, gostava de apanhar, ser xingado, humilhado, mudava de voz, falando como uma menina. Era estranho ver aquele “homem” acima de qualquer suspeita de lingerie e cinta-liga, Ney aproveitava a situação e descontava toda raiva que sentia por viver um romance somente entre quatro paredes.
A relação de amor e ódio era levada ao extremo, Ney fazia Márcio imitar Tetê Spíndola cantando “escrito nas estrelas”, dançar a coreografia do É o Tchan, introduzia os dedos cantando a música dos dedinhos da Eliana, um por um, o deixava vendado e algemado por horas na cama, brinquedinhos eróticos, máscaras, chicotes, quanto mais esdrúxula a condição, mais ele gostava, a única exigência de Márcio era que Ney o fizesse mulher.
Ney nasceu afeminado, se sentia mulher, mas na cama sempre foi o ativo da relação, com todos os parceiros. Quando acabava Márcio deixava a grana na cama, saía antes de Ney pra não correr risco. Ney ficava olhando pro dinheiro, olhando pro espelho, aquela era a hora que o masoquismo se virava contra ele.
Das cartas música! Iolanda levava as cartas para um de seus clientes que compunha melodias. Anselmo ainda não sabia; mas suas dores, seus anseios, seu amor começava a entoar nas ondas das FMs. Por ironia o paeceiro anônimo era parceiro bem conhecido de sua amada, parceiro não, cliente. Isso é trabalho! decretava Iolanda. Mas ela viu ali um jeitinho de mudar o destino do sonhador Anselmo. Com o dinheiro dos direitos autorais ela podia pagar um bom advogado e antecipar a saída de seu amado! Temia ela de não entender seu gesto, porém apostou mesmo correndo o risco.
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